24 janeiro 2007

Duas garimpeiras e uma história em comum

As garimpeiras Raimunda Gomes de Oliveira (foto), 75 anos, e Elizabeth Souza Muniz, 54 anos, têm uma história em comum. Elas chegaram à Serra Pelada no mesmo ano, em 1986. Vieram na época da febre pelo ouro, para seguir seus maridos. Aqui, viram os filhos crescer e fizeram planos para o futuro. Hoje, no entanto, as duas estão sozinhas.

Raimunda ficou viúva em março de 2006. O marido, com quem viveu durante 55 anos, morreu por problemas de saúde. Felizmente, ele deixou uma pensão de R$ 700, dinheiro com o qual ela sobrevive agora."Não encontramos muito ouro. As barragens começaram a cair e muita gente morreu no garimpo. Começamos a sobreviver do plantio de frutas e da aposentadoria de agricultor do meu marido", lembra-se Raimunda.

Natural do Rio Grande do Sul (RS), Elizabeth, por sua vez, já era viúva quando veio para Serra Pelada. Seu primeiro marido foi assassinado em Paraupebas (PA) em 1986. Ela, então, mudou-se para o garimpo para cuidar da terra que ele deixara no local. Elizabeth tocou a vida. Em 2001, casou-se novamente. O matrimônio, no entanto, durou apenas nove meses. "Eu já estava acostumada a viver só. Não aguentei mais homem seguindo os meus passos", conta. Hoje, Elizabeth sobrevive com uma pensão de R$ 300. Como sustenta uma filha e duas netas, também conta com o dinheiro da venda de tapetes que confecciona.

Mas as semelhanças entre Raimunda e Elizabeth não param por aí. As duas permanecem em Serra Pelada por um único motivo: têm terra na região e sonham que um dia voltarão a extrair ouro. "A vida foi muito difícil aqui em Serra Pelada. O que ainda me prende aqui é o ouro. Não quero sair de Curionópolis porque pretendo ganhar dinheiro aqui e, depois, voltar para a minha terra natal", espera Elizabeth. "Eu sei que as pessoas passam necessidade aqui, mas estamos na maior mina de ouro do mundo. Quando temos uma esperança, é difícil perdê-la", diz, emocionada, Raimunda.

Memória de um pioneiro

O garimpeiro Genésio Donizete Nunes, 45 anos, chegou a Serra Pelada em 1983. Veio da cidade Americana (SP), onde era metalúrgico, com um grupo de mais de vinte jovens . Na época, parte de seus amigos conseguiu encontrar ouro. Ele, porém, não teve a mesma sorte. Só extraiu o suficiente para sobreviver nos primeiros anos.

Mesmo assim, fixou-se no distrito, casou e teve uma filha. Com o passar dos anos, a atividade de extração ficou mais difícil e, logo, o garimpo foi fechado. "O buraco aumentava a cada dia e não havia segurança para trabalhar. Muitos trabalhadores morreram nos barrancos", revela Nunes. Apesar de tanto sofrimento nos garimpos, ele ainda permanece na serra com a esperança de que voltará a explorar o solo da região. Leia memória abaixo:

"Garimpeiros, bravos e autênticos exploradores do solo brasileiro. Fazem aflorar riquezas aos filhos da pátria amada. Os garimpeiros de Serra Pelada são os descobridores da maior mina de ouro à céu aberto do mundo. Mas também são conscientes, competidores de desafios que transformam em realidade um sonho que se renova a cada dia. Conquistam novos espaços para alcançar um mundo melhor.

Em 1980, foi encontrada uma pepita na grota da Fazenda Três Barras e, então, o proprietário Genésio Ferreira convidou alguns garimpeiros da região para trabalhar em sua propriedade. Foi ligeiro que a notícia correu por todo o território brasileiro. Em pouco tempo, havia mais de 100 mil homens no garimpo, que ficou conhecido mundialmente pelo nome de Serra Pelada.

Até 1983, o garimpo produziu mais de 40 toneladas de ouro, quando uma companhia tentou de todas as formas tirar os garimpeiros do local. Foi quando o então deputado federal e líder dos garimpeiros Sebastião Curió Rodrigues de Moura, que hoje é prefeito de Curionópolis (PA), entrou com um projeto na Câmara para criar a nossa Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), para lutar por essa reserva de ouro que os garimeiros encontraram.

Essa luta custou caro para os garimpeiros. Foram muitos anos de luta, que pode ser comparada até com a batalha entre Davi e Golias, com muito sofrimento e lágrimas. Passados todos esses anos, hoje, nós avaliamos o passado para saber se valeu apena todo esse sacrifício. Isso porque não temos certeza se o governo federal nos dará autorização para explorarmos nosso subsolo. Talvez tenhamos de buscar outra alternativa para que todo o nosso trabalho não tenha sido em vão.

Serra Pelada tem uma terra muito rica, mas uma pobreza vergonhosa. Falta saúde e saneamento básico. Falta tudo. O padrão de vida é muito baixo e a carência humana é grande. Todos que estão aqui têm o mesmo objetivo de voltar a extrair ouro e buscar um lugar melhor para criar seus filhos. Mesmo sofrendo e apanhando, aprendemos a gostar daqui. Acreditamos que voltaremos a explorar a região."

Genésio Donizete Nunes, pioneiro em Serra Pelada

Garimpeiros ainda aguardam autorização

Moradores de Serra Pelada desde a década de 1980, época em que foi descoberto ouro na região, cerca de 70 associados de cooperativas e pessoas da comunidade expuseram as dificuldades que enfrentam desde que chegaram ao distrito. Eles participaram da palestra Cooperativismo no Brasil, ministrada pela equipe de rondonistas da UnB em Curionópolis (PA) na tarde de quarta-feira, 24 de janeiro, na creche Antônia Pimenta de Moura.

Embora os garimpeiros não possam mais extrair ouro há mais de 15 anos, eles não arredam o pé de Serra Pelada porque acreditam que logo voltarão a explorar as terras. Mas isso depende de autorização do governo. Por isso, tantas pessoas reúnem-se semanalmente nas cooperativas e lutam na justiça pelo direito de suas terras. Hoje, o distrito tem cerca de nove cooperativas, que reúnem milhares de associados. A Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada, por exemplo, tem 65,7 mil cooperados. A maioria, no entanto, mora em outras localidades.

De acordo com o assessor geral da Cooperativa de Desenvolvimento Mineral dos Garimpeiros de Serra Pelada (Cooperserra), José Luiz da Silva, depois de liberados os alvarás, o próximo passo das cooperativas será firmar acordos com empresas para exploração. "A maior parte da região só pode ser garimpada por meio da utilização de equipamentos. Todo objetivo das pessoas que estão aqui é explorar ouro, mas esbarramos na permissão do governo federal", observa Silva.

O garimpeiro Abel Leandro Ribeiro, 37 anos, é uma das pessoas que ainda está aqui à espera do ouro. Chegou quando tinha apenas 21 anos, mas não conseguiu enriquecer. Apesar do desemprego e de todas as dificuldades que enfrenta na serra, ele diz que não quer mudar para outro local e acredita que o garimpo será aberto ainda em 2007. "Foram 20 anos de trabaho e sofrimento naquele buraco. Não posso ir embora depois de tanto trabalho. Ainda vejo um futuro muito grande aqui", afirma Ribeiro.

Serra Pelada: um caso especial


As atividades da equipe de rondonistas da UnB em Serra Pelada na manhã de quarta-feira, 24 de janeiro, lotaram a Casa do Professor do distrito. Embora tenham começado com mais de uma hora de atraso por conta da chuva, elas contaram com a presença de 133 pessoas. Foram garimpeiros, professores, enfermeiros, agentes de saúde e cooperados que conversaram a respeito de problemas que a comunidade da serra enfrenta, como falta de preservação do meio ambiente e de conscientização sobre doenças sexualmente transmissíveis.

Presente ao encontro, o vereador de Curionópolis (PA) Robson do Nascimento considera a iniciativa do Projeto Rondon de importante impacto social no distrito de Serra Pelada. Isso porque, diz ele, a vida da população do garimpo é difícil por conta da falta mão de obra qualificada, principalmente na área de saúde. "É um caos. Falta assistência médica e verba para contratar bons profissionais. Com isso, a comunidade é atiginda com doenças como graves como hanseníase", revela.

Dados do Programa Saúde Família (PSF) de Serra Pelada confirmam isso. Apenas entre 2003 e 2006, foram registrados 112 casos de hanseníase no distrito. Agora, 11 pessoas estão em processo de tratamento da doença em Serra Pelada. Em 2006, também foram confirmados 40 casos de malária no local. Outros 11 casos de Malária também foram notificados em janeiro. Não se sabe, no entanto, o número de pessoas que adquiriu as enfermidades em outros estados.

A enfermeira do PSF Ana Maria de Oliveira, 29 anos, explica que, para cuidar da população do garimpo, que é de cerca de 7 mil habitantes, Serra Pelada conta com o trabalho de dois clínicos gerais, um dermatologista e um especialista em hanseníase. Os dois últimos atendem apenas uma vez por mês, na Santa Casa de Misericórdia do distrito. Mesmo assim, considera Ana, Serra Pelada precisa de mais assistência médica. Pensando nisso, a própria enfermeira veio para a serra há duas semanas, convidada pela Secretaria de Saúde de Curionópolis (PA). "Serra Pelada tem uma necessidade especial. Não usei a razão para vir, mas sim o coração", diz Ana.